O CINEMA-FORA-DOS LEÕES apresenta
5 de Dezembro
1989 | 104'
O 7º Continente é o mais bem guardado segredo da geografia hanekeana. Para ele vai-se por um cartaz com as ondas ao contrário, não apenas porque vêm do lado de terra (?!), mas porque formam espuma, e espraiam, na direcção do espectador.
Estamos dentro do cinema, é claro, e apertadíssimos contra esse continente inteiro que nos faz companhia dentro do filme e nos aperta contra o ecrã até à dor.
E como nos aperta ele, esse continente ao contrário, o de um filme desconhecido de um dos mais (pouco) conhecidos realizadores dos nossos dias (e, por vezes, se não formos avaros, das nossas noites)? Pois - aperta-nos, como todos os conteúdos do Continente Haneke (não confundir com o dos iogurtes), de uma maneira abstracta e cerebral, asséptica e rigorosa, que nos habituámos a reconhecer como “um Haneke”, entre o deslumbramento e o horror, entre a admiração intelectual e a sensação de que foi a nós que acabaram de cortar a garganta lá no filme.
Ah, mas, por uma vez, o continente Haneke encontrou um conteúdo à sua altura! E o realizador ver-se-à (e nós com ele) devastado pelas mais implacáveis personagens que alguma vez ele encontrou em toda a sua carreira.
Estão a ver os dois anjinhos diabólicos e engraçadinhos dos Jogos desse nome? Uma brincadeira de crianças...
E são dos que acham que a versão americana é mais cruel do que a austríaca, e também vice-versa? (Não confundir a Áustria com a Alemanha: a Áustria é a Alemanha em muito pior, Joseph Fritzl que o diga). Um conto doce do Pai Natal....
Crêem que Caché, com a garganta de Maurice Bénichou a esguichar sangue até fazer espinotear de inveja o Hitchcock de Psycho, é o nec plus ultra do frisson à la Michael Haneke? Que inocência!; que candura!
Na semana que passou mostrámos um filme cuja penúltima cena é a tragédia de um assassínio “de misericórdia” prematuro, que nos dá em azedo aquilo que o amor de Amour nos dá em perplexidade e transcendência na cena homóloga: e julgam que já viram o vosso Haneke todo, como quem põe um laço branco, e que já não há mais nada para ver, um dois três quatro cinco seis continentes, e acabou? Há o sétimo, desgraçados cinéfilos, o sétimo filme, pior que o selo do Bergman, pior que tudo. Austríaco como jamais austríacos os austríacos foram. A Pianista, que coiso e tal, lâminas no pior sítio possível, esse mesmo? Quase, quase que arranha, sim, mas...
... Mas não é O 7º Continente. Aquela praia parece a do limbo de Inception (C. Nolan), mas não se passa lá nada, e não é lá que o filme se passa, nesse continente de terra e mar às avessas. É o próprio filme que rema ao contrário, do princípio ao fim, sem sair do mesmo sítio - como o ominoso cartaz. É o método Haneke, tão objectivo e óptico que abre o plano de apresentação dos personagens mostrando-os como se fossem objectos, os braços e as mãos mas não os rostos, parcelas dos seus movimentos articulados, mas não o todo dos seus seres orgânicos, fugidios e elusivos até ao final.
E que final...!: é nesse momento que descobrimos ao mesmo tempo que Haneke é o anatomista habilíssimo que nos demonstra que o cérebro frio e sereno é um órgão que pega directa e meticulosamente com o mais visceral e intranho dos espasmos (digamos, assim como o dinheiro é capaz de pegar directamente com um cano de sanita, numa lição de escatologia da Civilização dada pelo filme como bónus); e que Haneke é o fisiologista habílimo que nos mostra como a fisiologia do velho continente pega directamente com...
Se O Sétimo Selo é o filme onde o Cavaleiro joga xadrez com a ilustre Senhora, o Sétimo de Haneke é esse jogo de xadrez.
Trailer
https://www.youtube.com/watch?v=tD-D1IVV8F4
Sessão às 21h30
Mais informações em : https://www.facebook.com/auditoriosorormariana
5 de Dezembro
O Sétimo Continente
de Michael Haneke1989 | 104'
O 7º Continente é o mais bem guardado segredo da geografia hanekeana. Para ele vai-se por um cartaz com as ondas ao contrário, não apenas porque vêm do lado de terra (?!), mas porque formam espuma, e espraiam, na direcção do espectador.
Estamos dentro do cinema, é claro, e apertadíssimos contra esse continente inteiro que nos faz companhia dentro do filme e nos aperta contra o ecrã até à dor.
E como nos aperta ele, esse continente ao contrário, o de um filme desconhecido de um dos mais (pouco) conhecidos realizadores dos nossos dias (e, por vezes, se não formos avaros, das nossas noites)? Pois - aperta-nos, como todos os conteúdos do Continente Haneke (não confundir com o dos iogurtes), de uma maneira abstracta e cerebral, asséptica e rigorosa, que nos habituámos a reconhecer como “um Haneke”, entre o deslumbramento e o horror, entre a admiração intelectual e a sensação de que foi a nós que acabaram de cortar a garganta lá no filme.
Ah, mas, por uma vez, o continente Haneke encontrou um conteúdo à sua altura! E o realizador ver-se-à (e nós com ele) devastado pelas mais implacáveis personagens que alguma vez ele encontrou em toda a sua carreira.
Estão a ver os dois anjinhos diabólicos e engraçadinhos dos Jogos desse nome? Uma brincadeira de crianças...
E são dos que acham que a versão americana é mais cruel do que a austríaca, e também vice-versa? (Não confundir a Áustria com a Alemanha: a Áustria é a Alemanha em muito pior, Joseph Fritzl que o diga). Um conto doce do Pai Natal....
Crêem que Caché, com a garganta de Maurice Bénichou a esguichar sangue até fazer espinotear de inveja o Hitchcock de Psycho, é o nec plus ultra do frisson à la Michael Haneke? Que inocência!; que candura!
Na semana que passou mostrámos um filme cuja penúltima cena é a tragédia de um assassínio “de misericórdia” prematuro, que nos dá em azedo aquilo que o amor de Amour nos dá em perplexidade e transcendência na cena homóloga: e julgam que já viram o vosso Haneke todo, como quem põe um laço branco, e que já não há mais nada para ver, um dois três quatro cinco seis continentes, e acabou? Há o sétimo, desgraçados cinéfilos, o sétimo filme, pior que o selo do Bergman, pior que tudo. Austríaco como jamais austríacos os austríacos foram. A Pianista, que coiso e tal, lâminas no pior sítio possível, esse mesmo? Quase, quase que arranha, sim, mas...
... Mas não é O 7º Continente. Aquela praia parece a do limbo de Inception (C. Nolan), mas não se passa lá nada, e não é lá que o filme se passa, nesse continente de terra e mar às avessas. É o próprio filme que rema ao contrário, do princípio ao fim, sem sair do mesmo sítio - como o ominoso cartaz. É o método Haneke, tão objectivo e óptico que abre o plano de apresentação dos personagens mostrando-os como se fossem objectos, os braços e as mãos mas não os rostos, parcelas dos seus movimentos articulados, mas não o todo dos seus seres orgânicos, fugidios e elusivos até ao final.
E que final...!: é nesse momento que descobrimos ao mesmo tempo que Haneke é o anatomista habilíssimo que nos demonstra que o cérebro frio e sereno é um órgão que pega directa e meticulosamente com o mais visceral e intranho dos espasmos (digamos, assim como o dinheiro é capaz de pegar directamente com um cano de sanita, numa lição de escatologia da Civilização dada pelo filme como bónus); e que Haneke é o fisiologista habílimo que nos mostra como a fisiologia do velho continente pega directamente com...
Se O Sétimo Selo é o filme onde o Cavaleiro joga xadrez com a ilustre Senhora, o Sétimo de Haneke é esse jogo de xadrez.
Trailer
https://www.youtube.com/watch?v=tD-D1IVV8F4
Sessão às 21h30
Mais informações em : https://www.facebook.com/auditoriosorormariana
Sem comentários:
Enviar um comentário